Saio para a noite. como que a procurar
todos os caminhos da noite.

sorrio sorrisos obtusos,
para as putas que me sorriem,
sorrisos mensagem como que a dizerem:
o mundo «não é só das prostitutas
A cheirar esperma de mar» [1]

É de gente «com a inquietação resignada.»

Gente que dorme nos portais
«embrulhada em cobertores de frio». [1]

Gente precocemente envelhecida,
«com musgo na cara, de tanto chorar desde as fontes» [1]

Gente arrastando solidão nos olhos,
mas que resiste à dor de saber,
que a morte
tem a dimensão exacta do seu tamanho.

Gente, que não sai para a noite, como eu saio,
porque a noite
já é o seu lar e o seu dia
onde as árvores gritam,
e o vento traz novos fantasmas
uivando paraísos de fome na primavera.

Saio para a noite.

desço a avenida grande
e canto,
o espanto da noite enfarpelada
desta cidade estóica,
graniticamente cosmopolitizada
onde o tempo apodrece,
alheio
ao olhar dos cadáveres, sem mortalha,
sem deuses
nem diabos a enfeitarem a morte.

Saio para a noite
cumprindo o meu destino de poeta,
dizer a toda a gente:

« o sol vai nascer».

Manuel C. Amor
Autor:
Manuel C. Amor
Nome Completo:
José Manuel Couto Amor
Género Literário:
Poeta
Profissão:
Enfermeiro
Nascimento:
08 de agosto de 1946, Socorro, Lisboa, Portugal
Falecimento:
03 de outubro de 2020, Horta, Faial, Açores, Portugal