Aceso está o fogo
prontas as mãos

o dia parou a sua lenta marcha
de mergulhar na noite.

As mãos criam na água
uma pele nova

panos brancos
uma panela a ferver
mais a faca de cortar

Uma dor fina
a marcar os intervalos de tempo
vinte cabaças deleite
que o vento trabalha manteiga

a lua pousada na pedra de afiar

Uma mulher oferece à noite
o silêncio aberto
de um grito
sem som nem gesto
apenas o silêncio aberto assim ao grito
solto ao intervalo das lágrimas

As velhas desfiam uma lenta memória
que acende a noite de palavras
depois aquecem as mãos de semear fogueiras

Uma mulher arde
no fogo de uma dor fria
igual a todas as dores
maior que todas as dores.

Esta mulher arde
no meio da noite perdida
colhendo o rio
enquanto as crianças dormem
seus pequenos sonhos de leite.

Ana Paula Tavares
Autor:
Ana Paula Tavares
Nome Completo:
Ana Paula Ribeiro Tavares
Género Literário:
Poetisa
Profissão:
Historiadora
Nascimento:
30 de outubro de 1952, Lubango, Angola